12 de jan. de 2008

inacabado

Acabei de ler A mensagem secreta de Jesus de Brian D. McLaren. Estava ansioso há algum tempo pela leitura. Até porque ainda não estava lendo nenhum outro. Fico inquieto quando não estou lendo nenhum livro. Enfim, adquiri-o juntamente como Uma ortodoxia generosa, também do mesmo autor. Pelas recomendações dos blogueiros de plantão, e pela sede de novos pareceres, perspectivas e leituras de uma espiritualidade cristã sem vínculo "institucional" ou "denominacional" com esse "Cristianismo" que temos visto por aí.
A mensagem secreta de Jesus há algum tempo atrás, talvez, tería causado maior impacto e surpresa para mim. Brian discorre do Reino de Deus, do Evangelho e da mensagem de Jesus de forma aberta, reflexiva, e com um tom adverso aos costumeiros da Teologia. Soa como uma releitura do Reino de forma inteligente, inclusiva, e desalienada dos moldes da erudição cristã. O impacto e a surpresa ficaram para depois da metade do livro. Confesso que encontrei nas entrelinhas dos argumentos de Brian, alguns conceitos que confrontaram conceitos que ainda carrego. Céu, Inferno e Apocalipse e suas teologias prontas, e na maioria, aceita por todos foram questionadas à luz da "mensagem secreta" a quem propõe o livro. Gostei da sensação de poder se abrir novas conjecturas. Não para causar polêmica ou divisão, mas, para efeitos de pesquisa, estudo, meditação e reavalição constante de alguns argumentos de nossa cristandade que geralmente ficam em stand by.
Já dei início a leitura de Uma ortodoxia generosa, e confesso que tem me atraído e prendido mais minha atenção. Gosto da idéia de que somos pessoas inacabadas. Em um processo de transformação da corruptibilidade para a incorruptibilidade (tomando emprestado os termos de Paulo).
Quando aceito Jesus não sou instantaneamente transformado. Ao contrário de muitos acharem que as coisas se dão facilmente como simplesmente morfar e 'Tah Dahmmm', um cristão pronto e perfeito para o Reino Eterno do Senhor Jesus! Não, preciso converter-me dia-a-dia. Preciso tomar minha cruz dia-a-dia, morrer para minha carne. Preciso desenvolver minha salvação. Preciso prosseguir na carreira da fé e buscar conhecer Deus, até que um dia O conheça como por Ele sou conhecido. Sou inacabado, mas não preciso ser estagnado.
A igreja tem uma forte pretensão para achar que está tudo bem, obrigado! e não precisa converter-se constantemente. Que não há necessidade de avaliar-se a si mesma. De se autocriticar. De tranformar-se pela renovação da mente, da Teologia, da Tradição e da Ortodoxia. O verbo grego usado por Paulo na carta aos Romanos é metamorphoõ, que sugere metamorfose, transfiguração, transformação.
Não é de se espantar que a igreja evangélica perdeu essa noção de transformação. O texto abaixo expõe claramente os princípios da Reforma dos quais os evangélicos não se lembram mais, ou talvez, com toda certeza, nem os conhecem.

O abandono do Espírito Protestante

No último dia 31 de Outubro (do ano de 2007) comemoraram-se os 490 anos da Reforma Protestante. Comemoraram-se em tese. Em tese porque essa é a data oficial e esses anos são oficiais.

Porém, não houve comemorações significativas nas igrejas protestantes brasileiras. Mais, nem se ouviu falar sobre os 490 anos da Reforma nos corredores do mundo evangélico brasileiro. Mais ainda, nem se houve mais falar em Reforma Protestante nos corredores evangélicos brasileiros.

Os evangélicos brasileiros nem sabem o que é a Reforma Protestante, muito menos que são filhos dela. Não conhecem Lutero nem Calvino, e não fazem a menor idéia do que significa espírito reformador. Não é mais ensinado nas igrejas evangélicas brasileiras sobre o Princípio Protestante.

Isso assusta muito, e encontramos a razão facilmente. Nas palavras de Ricardo Quadros Gouvêa*: “O Princípio Protestante, quando enfatizado, torna os membros da igreja excessivamente críticos, isto é, capazes de avaliar criticamente o ensino e as práticas da própria igreja. Em outras palavras, o rebanho se torna indócil, difícil de manipular e controlar”.

Esse princípio não combina com a religiosidade brasileira.

Abandonamos o ímpeto reformador. O ímpeto reformador era “transformação”. A igreja protestante é aquela que enfatiza seu caráter mutante, sempre em transformação, para que possa sempre melhor cumprir com a sua missão.

Vou jogar luz em alguns princípios protestantes para refrescar a nossa memória engessada.

1 – Sacerdócio Universal de todos os crentes - Não existe mediação entre o homem e Deus a não ser Jesus de Nazaré. Portanto, não cabe a nenhum pastor se comportar como o único sacerdote que tem acesso a Deus. Geralmente, os pastores que querem ocupar essa função se denominam “apóstolos”. Como se o título concedesse mais autoridade. Como se ele ficasse mais poderoso que o resto dos mortais, mais amigo de Deus. Esse primeiro princípio protestante nos lembra que a oração do pastor, bispo ou apóstolo não é melhor do que a nossa. Nem nada deles é melhor do que de qualquer outra pessoa. Somos todos absolutamente iguais.

2 – Sola Scriptura (Somente a Escritura) – Esquecemos de deixar a Bíblia falar por is só. Só a lemos a partir dos nossos óculos doutrinários e da nossa leitura dogmática. Precisamos deixar que a Bíblia fale por si só, o que é um duro exercício, que exige disposição e desprendimento.

3 – Sola Fide et sola gratia (Somente a fé e somente a graça) – Somos salvos pela graça, somente pela graça, mediante a fé. Ponto final.

4 – A soberania exclusiva de Deus – A doutrina da soberania divina representa, no protestantismo, a libertação de todo julgo, sendo que o crente não deve se considerar devedor de obediência inquestionável a ninguém, a não ser o próprio Deus. O que não tem nada a ver com o predestinacionismo formulado pela ortodoxia cartesiana calvinista. Inclusive esse pensamento fatalista do predestinacionismo, que permite uns irem para o inferno para cumprir a vontade de Deus, é injusto contra o pensamento de Calvino.5 – Livre exame das Escrituras – Toda pessoa tem direito de ler a Bíblia e fazer sua interpretação pessoal, chegando as suas próprias conclusões. A teologia da igreja evangélica brasileira foi engessada, cristalizada, e é servida pronta e acabada aos crentes, como se fosse algo perene e inquestionável. Precisamos levar a sério esse principio: cada crente tem o direito de examinar livremente a Bíblia e questionar qualquer dogma.

6 – Nas palavras de Calvino: A Bíblia deve ser entendida como Palavra de Deus Escrita, para que não seja confundida com o próprio Cristo, o Verbo divino, a Palavra encarnada, e para que ninguém se esqueça de que a mera apresentação lingüística e textual já torna a Bíblia um constrangimento da Palavra divina e que, como conseqüência óbvia disso, não pode representar a Palavra de Deus em sua completude, ou melhor, sua infinidade – A Bíblia é um produto tanto divino quanto humano, independentemente da inspiração, é um produto da cultura hebraica e de pessoas que escreveram sem terem sua personalidade e sua humanidade nulificadas. Por isso a crítica textual e a pesquisa bíblica são indispensáveis. Para Calvino a inerrância da Bíblia (doutrina formulada mais tarde) não passaria de balela, papo furado, pois a Bíblia está condicionada culturalmente e humanamente.

7 – A admissão de uma pluralidade de confissões - O espírito reformador admite uma série de confissões de fé: calvinistas, arminianistas, metodistas, pentecostais, anglicanos, entre outras. Que seja assim, para que ninguém se proclame o guardador da sã doutrina.

8 – A Escritura é o parâmetro para a interpretação da própria Escritura – Esse princípio evita o dogmatismo hermenêutico e o atomismo, pois todo versículo bíblico deve ser sempre compreendido à luz do ensino integral das Escrituras. Somente o ensino completo do cânon pode servir de base para a formulação doutrinária e para a crítica doutrinária.

Obviamente são alguns dentre muitos outros.

O fato é que abandonamos a nossa história e a nossa tradição. O que é um erro fatal.

Precisamos ter em mente que a Reforma é um ato permanente. A Reforma não acabou, mas continua sempre, todos os dias, esse é o verdadeiro espírito do protestantismo. Como diz o lema da Reforma: ecclesia reformata ac propter semper reformanda, isto é, “igreja reformada e por isso mesmo sempre reformante e se reformando”.

Precisamos sempre repensar a tradição. Nem repetir, nem rejeitar, mas traduzir e atualizar a tradição para que a vida da tradição teológica seja preservada e sua aplicação seja sempre e cada vez mais eficiente.

Somos, portanto, mais do que reformados; somos reformacionais. Que nossa bandeira seja o Amor, em que em nome dele e da saúde da vida sempre façamos reformas.


Lucas Lujan
Retirado do blog Nossos Trapos.

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