31 de jan. de 2008

Corre sangue nas veias de sua fé?

Assisti ao filme Hotel Ruanda e uma cena em particular me constrangiu bastante. O reporter que filmou as cenas de genocídio inerente ao conflito civil em que hutus massacram os tutsis, conversa com o gerente do hotel, Paul Rusesabagina(Don Cheadle) sobre enviar o vídeo para o Ocidente e Europa para que passem nos noticiários de horário nobre de todo o mundo.

O reporter pergunta se Paul não se incomoda com a divulgação do vídeo. Então Paul responde que não se importa e que é ótimo que as pessoas vejam o que está acontecendo e tomem providências e os ajudem.

O reporter então dá fim às esperanças de Paul dizendo que as pessoas que verão o vídeo dirão, "Oh, que coisa horrível!", e continuarão seu jantar.

Isso me tocou profundamente. Nosso nível de abstração da realidade é uma ofensa ao nosso próximo. Os jornais transmitem notícias de massacre de centenas de pessoas no Iraque, bombas e mortes de inocentes, guerras ridículas por motivos infernais. E nós assistimos como se fosse um video game, como se fosse um filme, um jogo, um Second Life... Perdemos a sensibilidade e isso é um efeito colateral da globalização. Não sentimos compaixão. Quanto mais distante estejam os ocorridos, menos somos tocados e menos nos sentimos afetados por isso. Até que acontece na cidade, no bairro, na rua, na vizinhança e, por fim, em casa... do nosso lado... com pessoas que amamos! Que tipo de cristãos somos? Que retórica vazia de conteúdo de amor carregamos.

Sinto vergonha... sinto uma impotência diante disso tudo... me sinto pequeno! Não sou um exército para dar um jeito nessas bestialidades noticiadas pelo simpático William e pela adorável Fátima. O que posso fazer por esses pequeninos que nem conheço? As vezes sinto que apenas ser um bom vizinho, um bom marido, um bom amigo não me é suficiente. Aliás, isso tudo é praticamente cidadania, obrigação, ética...

Este conflito ocorreu em Ruanda no ano de 1994. Fico me perguntando onde estávamos quando ocorreu? Nos importamos com milhares de pessoas mortas pela ignorância racial. Gente matando gente... Eu lembro onde, e o que estava fazendo no ano de 1994 enquanto esses pobres Ruandeses morriam, e seus clamores não passaram das barreiras da relevância econômica. Estava comemorando o tetra. Estava rindo, cantando, pulando... enquanto ali, do nosso lado, na África, os pequenos Ruandeses estavam chorando, sofrendo, passando fome, precisando de abrigo, de segurança, de apoio.

E só agora ficamos sabendo, depois que o triste e vergonhoso evento se tornou filme. Para então nos condoermos com a ótima atuação e dramatização de fatos verídicos contemporâneos.

O que me envergonha é são contemporâneos. Eventos de semelhante estirpe aconteceram no passado e servem-nos de exemplo, e advertência para que não ocorram mais. Mas, massacres acontecendo debaixo do nosso nariz é "foda", viu?

Não deveriamos comemorar um tetra diante de um ocorrido como aquele. Afinal, nós, cristãos, não devemos chorar com os que choram?

A oportunidade de tomarmos uma medida pode ser agora. Já aprendemos com Ruanda. Agora Darfur precisa de nós.

VAI CONTINUAR O JANTAR? OU VAI DEIXAR CORRER SANGUE NAS VEIAS DA SUA FÉ?

Darfur: o drama humano esquecido

Em apenas quatro anos, morreram no Darfur, vítimas da guerra, da fome ou da doença pelo menos 200 mil pessoas - os piores prognósticos apontam para 400 mil - na sua larga maioria civis indefesos.

Calcula-se que pelo menos 2,3 milhões de pessoas tenham sido obrigadas a deixar as suas casas e a procurar refúgio em campos onde estão totalmente dependentes das organizações humanitárias. Todos os dias morrem pessoas, a maior parte crianças, de todas as mais vulneráveis.

Apesar do Tribunal Penal Internacional ter declarado a existência de práticas de Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade e da ONU ter reconhecido a existência de indícios de um Genocídio, a tragédia da província sudanesa do Darfur arrasta-se desde Fevereiro de 2003, debaixo dos olhos de uma comunidade internacional pouco consequente.

Os ataques às populações sucedem-se em redor dos próprios campos onde se concentram as populações deslocadas, não sendo garantida a sua segurança. As organizações de ajuda humanitária tem sido também alvos frequentes das milícias, que procuram paralisar a sua actuação, agravando ainda mais a situação de extrema debilidade de milhões de pessoas refugiadas.

Entretanto o sofrimento causado pelo conflito já ultrapassou as fronteiras do Sudão, com milhares de refugiados a fugirem para o Chade (gerando por sua vez um número de deslocados internos que ascende já a 200 mil) e para a República Centro-Africana, aonde continuam a ser perseguidos pelas milícias Janjauid.

A situação actual

A decisão da comunidade internacional do envio de uma força híbrida de Paz da ONU e da União Africana (UNAMID) para a região, tomada no passado dia 31 de Julho, muito embora tardia, vem finalmente trazer alguma esperança a estas populações.

A pressão da sociedade civil parece ser agora fundamental para conseguir a pronta articulação internacional e a mobilização dos meios humanos e materiais necessários ao rápido estabelecimento de um contigente que garanta a segurança na região.

Sabe-se que as milícias continuam a atacar e que cada dia de adiamento corresponde a muitas vidas que se perdem.

- Documentário "DARFUR: Chamamento à consciência"

- Reportagem SIC Notícias;

- Documentário sobre as crianças no Darfur (45 min)

Artigos relacionados:

- O genocídio silenciado, Franco Moretti/Além-Mar

- Uma grande tragédia, António Guterres/MissãoPress


Enquadramento

O Sudão é o maior país de África e uma antiga colónia britânica que sofreu, desde praticamente a independência, uma guerra entre o norte (maioritariamente árabe e que tem vindo a ser governado por partidos que assentam a sua autoridade no crescente fundamentalismo religioso) e o sul (de população maioritariamente africana e um longo passado de exploração pelo norte relacionada com o comércio de escravos). Os acordos de paz assinados a 9 de Janeiro de 2005, em Naivasha - Quénia, deixaram em aberto a independência do sul, a decidir por referendo em 2011.


Sobre o Darfur

Darfur é uma região do tamanho da França, situada no oeste do Sudão, que antes da colonização
inglesa era independente de Cartum.
Durante a guerra entre o norte e o sul, o exército de Cartum (norte) utilizou os jovens do Darfur como manancial de soldados africanos utilizados para combater os grupos armados do sul (muitas vezes através do rapto de crianças e jovens nas aldeias), mas a região foi relativamente poupada pela guerra e assistia até há pouco tempo a uma coexistência pacífica entre os pastores nómadas árabes e a população de etnia africana.

O genocídio

Desde 2003 que a população de etnia africana de Darfur sofre razias e morticídios que fazem parte de uma estratégia promovida pelo governo de Cartum com o apoio militar de países como a Arábia Saudita e a Líbia, apostados em impor a Charia e arabizar todo o norte do Sudão. Uma campanha de fomento do ódio étnico e racial, armando as populações de pastores árabes (politicamente mais fáceis de controlar e manipular por Cartum) e financiando as razias às populações africanas vitimou quase meio milhão de civis (!).

Ante os olhos passivos da comunidade internacional, o Governo de Cartum continua a patrocinar uma radical operação de limpeza étnica. Estima-se em mais de 3.000 o número de ataques a comunidades e aldeias destas milícias armadas e mantidas pelo governo (a uma média de cerca de 60 ataques por mês!). Todos os dias perdem a vida centenas de pessoas!

Obs.: Quer a população árabe, quer a africana falam o árabe e professam maioritariamente o islamismo.

Documentários em video:

*Atenção: Conteúdo NÃO ADEQUADO para crianças e pessoas sensíveis*
1. Documentário de B.Steidle - Imagens recolhidas no Darfur. Ano: 2007 (parte gravada em 2005)







Você pode ajduar: www.pordarfur.org

2 comentários:

  1. "O reporter então dá fim às esperanças de Paul dizendo que as pessoas que verão o vídeo dirão, "Oh, que coisa horrível!", e continuarão seu jantar."

    Thiago, não penso que é bem assim. Por incrível que pareça, a mídia e a opinião pública pesam muito nesse tipo de problema. Eu me convenci mais disso quando ouvi ontem uma palestra de Tariq Ali na rádio. Me convenci de que não devemos subestimar a opinião pública e relatos de fatos. Convido-o a ir até http://www.cbc.ca/ideas/podcast.html
    e escutar o programa do dia 28 de Janeiro: "New Wars and The New Media - Lecture by Tariq Ali". Seu relato me lembrou da história verídica narrada por Tariq sobre a conversa de um general americano e um editor da rede de notícias Al Jazeera a respeito de uma cena da guerra do Iraque gravada pela Al Jazeera. Muito interessante. []s - Gustavo

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  2. é uma "merda" mesmo, hein?


    Pedofilia? Como assim? quem falou ñ sabe do que esta falando, é um elemento mítico da mitologia-Nórdica onde o Diabo seria Loki e não essa bobeira aí...



    abração amigo
    fica na Graça

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