22 de nov. de 2007

Você mudou?

Primeiro, eu me revoltei, esperneei, me chateei. – Mas, como, mudou?, eu retrucava a quem me sabatinava. Depois, passei a responder baixinho, só para mim mesmo: - Sim, mudei bastante.

Esse tipo de pergunta, obviamente, sempre trata de assuntos doutrinários (só exatidão doutrina interessa aos crentes), mas quando aquiesci para mim mesmo que havia mudado, considerei dimensões bem mais amplas. Olho para minha vida e vejo restos de mim espalhados pelo corredor.

Já mudei de pele várias vezes, igualzinho a um réptil que se descasca. Não, não falo de exterioridades. É que os olhos, que são as janelas da alma, mudam de acordo com os movimentos do espírito e percebo outra cor em meus olhos.

Sim, mudei. Abandonei a minha “ingenuidade teológica” e por “ingenuidade teológica” refiro-me à repetição do discurso institucional. Reconheço que argumentei muito sem a preocupação de questionar meus pressupostos. Eu me sentia satisfeito de enxergar o mundo com binóculos emprestados e, pior, invertidos.

O drama humano se dava numa distância confortável de minha alma. Por exemplo, eu saberia explicar a morte de crianças miseráveis em Bangladesh como resultado do castigo divino sobre os "idólatras pecadores". Em diversas ocasiões, ouvi e não retruquei que os “pagãos” foram criados por Deus como “vasos de desonra” e já que eles vão arder eternamente no inferno, suas mortes só têm a função de despertar o ímpeto dos salvos para que saiam em busca dos eleitos, os predestinados para o céu; esses sim, "vasos de honra".

Sim, mudei. Essa lógica não me serve. Caso ela pareça coerente para algum puritano de plantão, já não estou nem aí; perdi o medo das pedradas que ouço no meu telhado (que é de vidro, admito, mas fazer o quê?); não tenho indigestão com os comentários maldosos daqueles que concebem um mundo micro-gerenciado por Deus, que a todo nano instante controla tudo e todos. E que é a sua "vontade permissiva" que, em última análise, condena sempre os mais miseráveis a sofrerem com as tempestades, os terremotos e os tufões. Ufa, como é bom mudar!

Sim, mudei. Trabalho agora com um novo senso de responsabilidade histórica, com uma nova concepção de parceria, com uma nova noção de privilégios e responsabilidades. Sinto um novo impulso em minha missão; ao andar nas pegadas de Jesus de Nazaré vou tentar, com a ajuda de seu Espírito, multiplicar entre mulheres e homens o que ele começou a fazer e dizer.

Sim, mudei. E estou consciente dos perigos de minha mudança. Reconheço que posso descambar para o relativismo teológico pós-moderno; posso cortejar com o liberalismo teológico alemão; posso abraçar o existencialista humanista.

Porém, com mais de 50 anos de idade e 30 como pastor, não me sinto mais como aquele menino que não olha por cima da cerca porque tem medo do “bicho-que-faz-careta”. Já me sinto grandinho o suficiente para comer peixe sem engasgar com as espinhas.

Sim, mudei. Desejo aprender a fazer teologia, mesmo que capenga, mesmo que teórica ou academicamente tosca. Quero, tão somente, ser honesto com minha alma, com minha geração e com meu Deus.

Sim, mudei. Eu antigamente me insurgia contra os rótulos que tentavam colar em minha testa, mas me frustrei. Não adianta, já estou mesmo estigmatizado como o herege da “teologia relacional”.

Eu procurava argumentar sobre conceitos, preservados como vacas sagradas no mundo evangélico, e que alguns, simploriamente, jogavam no ventilador com o intuito claro de criar animosidade contra mim. Vejo que não deu certo. Quase todo dia alguém me pergunta se é verdade que eu não acredito nos atributos de Deus.

Peço que as pessoas leiam o que escrevi sobre o assunto, mas em vão. A maioria tem uma antipatia preconceituosa e não arredam pé. "Heresia" é pecado sem perdão para um crente. Vou continuar aparecendo nas lista dos bandidos mais procurados da “inteligentsia” gospel. Ninguém se assuste se meu rosto aparecer em algum cartaz pendurado no mural dos Correios, com o título: “Procura-se, vivo ou morto”.

Sim, mudei. Não quero passar o resto de minha existência dando explicações. Desejo, tão somente, viver com integridade diante de Deus, da minha família, da minha igreja e dos meus amigos; e também cantar o Gonzaguinha:

Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...

Soli Deo Gloria.

Por Ricardo Gondim.

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