19 de nov. de 2007

O Deus que age fora de nossos arraiais

Para começarmos nossa presente discussão, gostaria de compartilhar duas composições de duas bandas que começaram suas atividades nos anos 70. A primeira letra diz o seguinte:

Você já pensou sobre sua alma

Será que ela pode ser salva?

Ou talvez você pense que quando estiver morto

Você vai simplesmente ficar no túmulo

Deus é só um pensamento na sua cabeça

Ou ele é uma parte de você?

Cristo é só um nome que você leu em um livro

Quando você estava na escola?

Quando você pensa na morte, você perde o fôlego

Ou fica tranqüilo?

Você gostaria de ver o papa enforcado?

Você acha que ele é bobo?

Bem, eu vi a verdade, sim, eu vi a luz

E mudei o meu caminho

E estarei preparado quando você estiver sozinho e assustado

No fim de nossos dias

Será que você ficaria com medo do que seus amigos poderiam dizer

Se eles soubessem que você crê no Deus Altíssimo?

Eles compreenderiam antes de criticar

Que Jesus é o único caminho para o amor

Sua mente é tão pequena que você tem que desabar

Com a sua turma por onde quer que você corra?

Você ainda zomba quando a morte se aproxima

E diz que eles podem muito bem adorar o sol?

Acho que é verdade que foi gente como você

Que crucificou a Cristo

Acho triste que a sua opinião

Tenha sido a única levada em consideração

Você estará tão certo quando o seu dia chegar

Ao dizer que não crê?

Você teve a chance, mas você a jogou fora

Agora você não pode reavê-la

Talvez você pense antes de dizer que

Deus está morto e enterrado

Abra seus olhos e entenda que Ele é o Único

O Único que pode salvar você de todo este pecado e ódio

Ou você ainda zomba de tudo o que ouve?

Sim, acho que é tarde demais.

É bem interessante. Agora, vejamos a segunda composição:

Eu O vi na multidão

Um monte de gente se reuniu ao redor dEle

Os mendigos gritavam e os leprosos O chamavam

O velho não disse nada

Apenas ficou fitando-O

Todos estão indo ver o Senhor Jesus

Então chegou um homem que caiu perante Seus pés

Impuro, disse o leproso, e tocou o seu sino

Sentiu a palma de uma mão tocar sua cabeça

Vá, vá, você é um novo homem

Todos estão indo ver o Senhor Jesus

Tudo começou com três sábios

que seguiram uma estrela que os guiou até Belém

E fizeram com que isso fosse conhecido em toda a terra

O líder dos homens nasceu

Todos estão indo ver o Senhor Jesus

A primeira letra parece ser de alguma banda evangélica que confronta, face a face, a obstinação do pecador em recusar a oferta salvífica de Cristo. A segunda letra parece ser de alguma banda de louvor e adoração que resolveu retratar algum episódio bíblico, convidando ao ouvinte a também seguir o Senhor.

A banda responsável pela primeira letra ficou conhecida como a primeira banda de heavy metal da história. O seu nome é derivado de rituais de magia negra. É o Black Sabbath.

Já a banda responsável pela segunda letra ficou conhecida pela alta qualidade de sua música, que misturava rock com componentes progressivos e orquestrais, e pela teatralidade de seu vocalista. O nome da banda é uma antiga gíria para designar homossexual. Estamos falando do Queen.

Não é estranho que Black Sabbath e Queen fossem capazes de produzir músicas de conteúdo espiritual tão profundos e tão belos? Não é de se estranhar que, segundo a mentalidade evangélica segregacionalista e auto-centrada de hoje em dia, pessoas notoriamente contrárias à fé cristã falarem tão abertamente da realidade do Reino de Deus?

Estranhamos pelo fato de sofrermos da mesma miopia religiosa dos judeus do tempo de Jesus, que ficaram bravos quando Ele disse que Naamã, general sírio, havia sido curado de sua lepra por Deus, mesmo havendo tantos israelitas contemporâneos ao ele padecendo da mesma enfermidade (Lc 4.27). Estranhamos pelo fato de não compreendermos o que significa Graça Comum e imagem de Deus.


O que é Graça Comum?

Graça é o favor de Deus que nós não merecemos. É o Seu amor por nós, pecadores. Deus nos ama a ponto de enviar Seu Filho para morrer em nosso lugar naquela cruz. Mas Graça não é apenas isso.

A Graça de Deus também faz com que o mundo em que vivemos não se torne insuportável. A Graça de Deus manda chuva e sol, estações chuvosas e estações secas, frio e calor, sobre pessoas tementes a Ele e sobre pessoas que O rejeitam de modo completo (Mt 5.45). A Graça de Deus faz com que o homem não-regenerado saiba que, mesmo no seu mais profundo íntimo, existe o certo e o errado (Rm 1.18, 19). A Graça de Deus, derramada sobre a Criação, sustentando-a, é designada Graça Comum.


Imagem e semelhança de Deus

Outro aspecto que negligenciamos é a doutrina da imagem de Deus. Como evangélicos, tendemos a pensar em todas as coisas de uma maneira maniqueísta: espiritual x material. Assim, temos dificuldade em entender o homem como imagem de Deus sem relacionar este fato com a sua espiritualidade, ou melhor, com sua filiação denominacional.

Ainda que o homem seja pecador, ele carrega em si uma identidade com o Criador. Tal identidade, a imagem e a semelhança – os dois termos são usados como sinônimos – faz com que ele seja distinto do restante da Criação.

Um mero animal não faz escolhas baseadas em um senso de justiça. Um animal não chega a conclusões lógicas baseadas em um pensamento abstrato. Os animais inferiores estão presos aos seus instintos, mas o homem possui a liberdade moral, ainda que limitada. Enfim, um animal não possui a capacidade de se encantar com a Ária na corda Sol de Bach, apreciar algum quadro de Salvador Dalí, se divertir lendo textos de Luís Fernando Veríssimo ou se entreter com algum filme hollywoodiano.

Tais características – senso de justiça, raciocínio lógico, espiritualidade e senso de estética – são o que teólogos classificam como imagem de Deus.

Obviamente que tal imagem foi seriamente prejudicada pelo pecado. Se, antes da Queda, poderíamos ver a assinatura de Deus na natureza, hoje, só podemos ter consciência de Deus e de nossa necessidade dEle através Palavra.

Manifestações culturais

Cristo pode ser manifesto na cultura, não sendo um produto dela, e nem estar contra ela. A soberania de Deus se estende em toda a Sua Criação; Ele não está restrito aos evangélicos apenas.

Grandes obras de nossa literatura contemporânea, como O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia, apresentam a realidade do Evangelho de maneira implícita, lançando mão de elementos culturais europeus arcaicos e mitológicos. Embora os seus autores fossem cristãos – J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis – não foram superficiais em seus trabalhos escritos, usando elementos religiosos cristãos. Podemos ver a figura de Jesus em Gandalf e em Aslam, o que nos mostra que Cristo pode se apresentar na cultura, ainda que esta não seja explicitamente cristã. E isto se deve à imagem de Deus no homem – ainda que não-regenerado – e à Graça Comum.

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