5 de ago. de 2008

Ciberética e Guerra cognitiva

A ética na nova geração de hackers, na verdade, não falta: o que ocorre é que ela é outra, diferente da anterior, mais própria aos novos meios de capitalizar assimetrias informacionais com a Internet. Devido a este salto evolutivo, hierarquias abaladas em seu poder de gerar e explorar assimetrias informacionais estão, com o perdão da palavra, ciber-aterrorizadas. Reagem para preservar a velha ordem, querem a neo-contra Reforma em nome do princípio da infalibilidade. Não mais do Santo Papa, agora das leis de mercado, cuja regulamentação querem ditar casuística e prontamente. Sua batalha da hora é em defesa do monopólio da nomeação do terror, que legitima o neo-imperialismo hobbesiano. Jack Valenti, então presidente da associação dos estúdios de hollywood (MPAA), declara que sua cruzada contra quem copia ilegalmente DVDs é a "nossa guerra contra o terror". Nessa neo-contra Reforma, a mídia funciona como retaguarda. Seu principal teatro de operações são os parlamentos, os sentimentos e pensamentos da magistratura.

Pode parecer paranóia conspiracionista mas, enquanto falo, os autos-de-fé e as fogueiras da neo-Inquisição estão sendo preparados. Desta vez contra idéias tidas como ameaça à ordem político-econômica. Não mais à ordem sacro-eclesiástica, porém com o mesmo inconfesso alvo: o controle da geração e difusão do conhecimento.

Preparados com mensagens subliminares, como o documentário da CBS no "History Channel"; com conchavos políticos, como nos bastidores do conselho de ministros da União Européia, para revisão sorrateira da diretiva votada pelo parlamento sobre patenteabilidade de idéias úteis à escrita de softwares [12]; com tropas e suprimentos, na corrida insana às patentes de idéias, e na esotérica radicalização normativa da propriedade imaterial [13]; e com missões exploratórias, como no cerco kafkiano para rapto jurídico de direitos sobre a propriedade de softwares licenciados ao livre conhecimento e usufruto, no caso SCO [14].

Quem precisa achar inimigos em qualquer parte, lançando ameaças e intimidações em nome da liberdade, certamente os terá. Quem, no Direito, se refugiar em Kelsen para lavar as mãos, terá a sua vez, ao mais tardar na história. Liberdade, como dizia Cecília Meirelles, não há quem defina e não há quem não entenda. De minha parte, entendo que a liberdade do capital se antagoniza cada vez mais com a do Espírito humano.

Se aceitarmos o alerta de Bohr e os conselhos de Sun Tsu, o desafio de que fala o primeiro começa na tarefa de conhecer a ameaça comum, que nos zumbe. Devemos ser humildes e tenazes diante da tentação de pensarmos, em meio ao zumbido, que esta tarefa é vicária, impossível ou já cumprida. O mundo está mudando sempre mais rápido, a nuvem de bits é amorfa e o seu sentido singular é inexpressável, mas é aonde pode estar a nova rota da liberdade humana, interditada pela do capital.

Por fim, resta indagar o que me conecta ao autor do alerta na abertura, que me trouxe até aqui. Bohr se sentiu envolvido por ter ensinado à humanidade como pode a física quântica; e eu, por ensinar a meus alunos como pode o software.

Trago, para encerrar, uma mensagem de outro físico, talvez o maior cosmologista vivo, anunciada quando lhe restava o movimento de apenas um único dedo. Na verdade, esse recado de Stephen Hawking é o mesmo recado do oráculo de Delfos a Sócrates: "o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas a ilusão do conhecimento". Peço licença para acrescentar, a essa classe de inimigos do conhecimento, a interdição pelos fariseus.

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